terça-feira, 21 de junho de 2005

O Carrilhão de Lisboa

Manuel Maria Carrilho é um monstro. Um Frankenstein político. Some-se um percurso político sem qualquer nota digna de registo (um bom ministro da Cultura, imagine-se...), umas ideias dispersas, pomposas, mil-folhas de lugares-comuns, junte-se tudo isso a uma vaidade maior que o personagem e eis MMC.
Como todos os monstros modernos, MMC foi criado e alimentado pelos media. Lembram-se? Estávamos no declínio do guterrismo, os media já não suportavam Guterres, MMC já não suportava Guterres. Curiosa coincidência. MMC tinha razões. Estava despeitado. Queria governar a RTP (a Cultura para o povo, com as piores ressonâncias que possam imaginar) e Guterres tinha mais que fazer que o aturar. Os media deram-lhe então guarida. E apaparicaram-no, alimentaram-lhe a vaidade. Foi ver então o ódio transformado em visão clara, em ideologia. Ele tinha razão, sempre. O que escrevia, que outros já tinham escrito, era luz pura. O homem tornou-se o biógrafo do guterrismo crepuscular. Note-se: ele nada previu. Cavalgou a onda. Os media, no ódio cego a Guterres, deram-lhe guarida, incharam-no. De Carrilho transformaram-no em Carrilhão.
Lembro-me do famoso congresso em que defrontou Guterres. Sem tropas, com a coragem dos que sabem que vão perder, sem uma única ideia a partir da qual se pudesse construir algo. Os media deliraram - foi primeira página em todo o lado. Houve quem visse ali o futuro líder do PS.
E ele percebeu que tinha um aliado forte - os media. Por detrás da popa foi crescendo esse sonho inconfessável - chegar longe, o mais longe possível. Se não pelo partido, que sem tropas nada feito, que fosse pela câmara, como outros já haviam tentado (e até conseguido, reconheçamos...).
No PS, uns apoiaram-no sinceramente, outros na esperança de ver o mito morrer às porta da Praça do Município.
Foi aí que se lembrou de mostrar o bebé. Oh escândalo... oh horror, um bebé. Poderia, eventualmente, um repórter que o entrevistasse no quintal lembrar-se de lhe pedir: «Ó Manel Maria, podia fazfavor, pegar no puto ao colo para a capa da newsmagazine?» Estava tudo bem. Como se sabe, as newsmagazine são especialistas em mostrar estas coisas - Cavaco abraçado à Maria nas férias brasileiras, Durão com os rapazolas no sofá antes de rumar a Bruxelas, um irmão de Jerónimo de Sousa babado com o dito... Os media adoram, adoram, essas palhaçadas. Não suportam é que outros tenham a veleidade de as fazerem sem lhes dizerem água vai. Muitos menos ele, que por eles foi criado.
E eis como os mesmos media que criaram Carrilho já acenderam a pira para o queimar em lume brando. Até Outubro. Nada que não mereçam. Eles e ele. É a vida, diria o outro. Os media necessitam permanentemente de criar e desfazer mitos. É a sua indústria. Agora, calhou na rifa ao MMC estar na mó de baixo. Se tiver paciência e souber resistir, até pode perder a câmara. Daqui a seis meses, dois anos, quatro ou seis, seja lá o que for, Sócrates, de quem os media se habituam agora a gostar, de forma diferente da que gostaram de Guterres, também vai começar a enjoar. Os media, claro. E aí MMC pode fazer a mesma figura de há uns anos. É déja vu, pois é. Mas com a falta de memória que por aí anda talvez ninguém note. Se MMC não estiver para aí virado, pode, é claro, mandar o Dinis. Talvez nessa altura os media já achem graça. A lua tem fases.